Após ter a cabeça cortada, o próprio corpo decapitado de Santa Quitéria pega com as mãos sua cabeça e caminha até a cidade vizinha para ser sepultado. Protetora contra doença da raiva, loucura e depressão

Não, você não leu errado. Foi exatamente isso: o corpo sem cabeça de Santa Quitéria pega sua própria cabeça já decepada no chão, coloca-a sob os braços e sai andando até encontrar seu túmulo... Hoje conheceremos a história da santa protetora contra a doença da raiva, loucura, depressão e das crianças que demoram a começar a caminhar!

Quitéria nasceu em Bracara-Augusta (atual Braga) no ano 120, Portugal - século II. Seu pai era o governador do noroeste da península Ibérica, Lúcio Caio Atílio Severo. Sua mãe, Calcia Severo, descendia da família do imperador Juliano. Portanto Quitéria era de família de grande nobreza, mas ambos eram pagãos.

Calcia sempre foi estéril, nunca conseguindo engravidar apesar da vontade de ambos. Porém, um pouco antes de uma viagem do governador para Terragona, notou finalmente estar grávida e decidiram que ela não o acompanharia, ficando sob os cuidados de Cila, emprega e senhora de sua confiança. Passado o período de gestação, concebeu a nada mais, nada menos, que nove meninas... 

Mas isso em vez de ser uma imensa alegria para esta mulher estéril, a enojou. Sentiu-se como um animal dando a luz a tantas crianças e ainda todas mulheres (na época os meninos eram muito valiosos para uma família). Para piorar, pensava: como explicar tantas crianças a seu marido? Suspeitaria de traição...

Encontrou a pior solução possível para seu "problema". Pediu para Cita, única testemunha do parto, afogar os nove nenéns no rio Este (subúrbio de Braga) e dissesse aos demais que as crianças morreram nos procedimentos de parto.

Mas a providência de Deus já estava no caminho destas crianças muito antes. O que Calcia não sabia é que Cita era cristã e não teria coragem de cometer tamanha maldade. Mantinha sua religiosidade escondida de todos devido as graves perseguições aos cristãos daquela época. Toma, então, as crianças e em vez de se dirigir ao rio, as leva para a casa do arcebispo local, Santo Ovídeo, que imediatamente as batiza, lhes da nomes e encontra várias famílias cristãs para as criarem, amparadas ainda por despesas custeadas por ele próprio.

Assim, todas cresceram sob os ensinamentos e encaminhamentos cristãos, que lhe trouxeram muitos frutos em seus corações para dedicação de suas vidas a Jesus Cristo. Já com maior idade, as irmãs decidiram viver juntas, como num "convento" particular, sob aprovação do próprio Santo Ovídeo, fazendo votos de castidade e caridade. Tudo em agradecimento a Deus por as terem libertado da morte no nascimento e lhes ter providenciado uma educação cristã ainda na suas infâncias.

Mas a perseguição aos cristãos não arrefecia, sempre incitada pelo imperador Adriano. Até que a fama das caridosas irmãs cristãs chegaram aos ouvidos dos romanos, capturando-as e levando-as à presença do governador em seu palácio. Lúcio Severo se impressiona com as nove irmãs e quer saber sobre suas origens. Uma delas, Germana, sem receios e muita coragem lhe conta que são cristãs e suas filhas, assim como toda a história da tentativa de sua mãe de lhes matar no nascimento.

Santa Quitéria carregando sua cabeça ao lado de um cachorro. Protetora contra a raiva

Pede, então, para chamar sua esposa e a criada Cita para confirmarem a inacreditável história. Elas lhes dão a saber de todos os detalhes. Segue um momento de afeto de Lúcia pelas "novas" filhas, ostentando para elas a nobreza da família a qual passariam a fazer parte. Claro, para isso teriam que se casar com nobres homens de seu círculo e ainda mais importante: deveriam renunciar a fé cristã.

Sem receios, todas rejeitaram a proposta. O governador se enfurece e sai da sala, deixando-as sozinhas. Cientes do perigo que corriam, entram em oração, interrompidas por uma aparição:

Um anjo desce dos Céus e diz para saírem imediatamente do palácio e fugirem

Ao retornar a sala, Lúcio não as encontra e toma ciência da fuga das jovens, enfurecendo-o ainda mais. Envia seus soldados em perseguição às filhas e consegue prender de volta apenas Quiteria. As demais fugiram para lados diferentes e cada uma se instalou em diferente regiões, principalmente da Espanha.

Apesar de Lúcio agora tentar ser mais flexível com a religiosidade da filha, não abriu mão que se casasse com um jovem nobre, chamado Germano. Pede a seu pai um tempo para pensar.

Ao retirar-se em oração seu anjo lhe aparece novamente incitando-a para realizar nova fuga até o monte pombeiro onde encontraria uma capela dedicada a São Pedro, no vale de Eufrásia. Foge e se instala no local. Logo outras jovens cristãs passam a viver junto dela em comunidade. Mas foram denunciadas e sem perder tempo Lúcio pede a prisão de todas residentes do local, deixando-as na prisão por três dias sem alimentos, onde fatos sobrenaturais aconteceram:

Nossa Senhora apareceu na cela para ampará-la. A Mãe Maria lhe entregou um anel, prometendo que não perderia a virgindade e que todos que rogassem por sua intercessão pela cura da doença da raiva e da fúria, recuperariam a saúde. A partir deste momento outros presos passaram a ser curados de seus males por intercessão de Quiteria, incluindo um doente de raiva. Ainda, as jovens evangelizaram e converteram os guardas de sua cela!

Nossa Senhora desaparece, deixando seu anjo cuidando dela. Imediatamente Quitéria se vê milagrosamente fora da prisão após um resplandecer luminoso que abriu as portas do presídio e se põem a fugir. Mas pede ao anjo que não lhe faltasse água no caminho, que a responde:

"Onde quiseres beber agua encontrarás uma fonte que nunca acabará e será abençoada". E assim aconteceu.

Germano já estaca pessoalmente na sua perseguição e se depara com um pastorzinho, perguntando se havia visto a bela jovem. Nega mas aponta com o dedo onde estava escondida... Germano então corta a cabeça de Quitéria, matando-a aos seus 15 anos de idade no ano de 135 e tornando-a mártir. A tradição conta que onde a cabeça tocou o chão, nasceu outra fonte de água abençoada, até hoje chamada de "A fonte de Santa Quitéria".

Os soldados responsáveis por sua prisão ficaram imediatamente cegos. Cachorros lamberam o sangue de Quitéria e se endureceram, atacando o pastorzinho com inúmeras mordidas. O menino corre lavar as feridas na fonte que brotou água para a santa beber e ficou imediatamente curado!

E, o maior milagre de todos, conforme tradições e lendas passadas de geração em geração desde o século II (assim como acontece com todos os demais santos dos primeiros séculos do cristianismo):

Após ter sua cabeça cortada, seu corpo pega sua própria cabeça em suas mãos e caminha até a cidade vizinha, chamada Aufrasia. Onde ela parou, foi sepultada pelos cristãos. 

Foi construído posteriormente um Santuário a Santa Quitéria no local, cerca de 2 km da atual cidade de Felgueiras. Há ainda capelas que demonstram todos os passos da santa.

SANTA QUITERIA, VIRGEN, y Martyr [Material gráfico] : A 22 de Mayo por Minguet e Yrol, Pablo, 1733-1778 - 1750 - National Library of Spain, Spain - CC BY-NC-SA. https://www.europeana.eu/item/2022717/bnesearch_detalle_bdh0000152328

Fonte: Biblioteca Nacional da Espanha - documento de 1750

Todas as oito irmãs também foram perseguidas e mortas nos territórios da Espanha, igualmente as tornando santas, sendo elas: Santa Vitória, Santa Genebra, Santa Marciana, Santa Germana, Santa Liberata, Santa Eufemea, Santa Marinha e Santa Basília. Muitos dos registros da história de Santa Quitéria advieram da mais farta documentação da história de sua irmã Santa Liberata.

Referências: IDE+, Santa Quiteria Huete, Rezai e Rezai, Santos e Beatos Católicos, Saints - Feast - Family, Prefeitura de Esmeraldas, Biblioteca Nacional da EspanhaCultura - Revista de História e Teoria das Ideias